A cegueira congênita e o desenvolvimento infantil
Os efeitos da cegueira congênita no crescimento do bebê e da criança, e seus reflexos no desenvolvimento motor, na linguagem, e até mesmo na emotividade e sociabilidade.
Desenvolvimento Motor
A - O Controle da Cabeça
Na criança com visão, o desenvolvimento físico começa na cabeça e se estende até os pés, e parte do tronco em direção às extremidades. A criança, portanto, deve desenvolver o equilíbrio da cabeça e o controle do tronco antes de aprender a sentar. Então ela aprende a levantar, andar, etc. De maneira geral, a criança obtém controle dos braços antes das pernas.
O bebê cego não conta com o estímulo visual para motivá-lo a levantar a cabeça e a desenvolver o controle da mesma. Portanto, ele deve ser ensinado a adquirir controle sobre os movimentos da cabeça e do corpo através de outros meios de estimulação. Embora a criança cega prefira deitar-se de costas, é essencial, para o fortalecimento do pescoço, que ela seja deitada sobre o estômago. Algumas maneiras de se conseguir isso:
s Pendure brinquedos sonoros e com diferentes texturas nos lados do berço;
s Pendure um espelho na lateral do berço;
s Mude regularmente a posição do bebê no berço;
s Alimente o bebê e mude suas roupas alternando os lados;
s Encoraje-o a levantar a cabeça e a movê-la em volta enquanto o segura pelos ombros.
B - A Aproximação
Permanência dos objetos é a consciência de que um objeto ou pessoa existe mesmo quando fora do campo visual, auditivo ou tátil. Nos bebês com visão, essa capacidade aparece em torno dos 3 ou 4 meses. Nos bebês cegos, tal faculdade sofre um grande atraso, e só se desenvolve através de um trabalho consciente de treinamento e estimulação. A percepção da permanência dos objetos é essencial para o desenvolvimento da coordenação ouvido-mão (tentar alcançar um objeto atraído por seu som), que se desenvolve na criança com visão em torno dos 8 a 9 meses. Na criança cega essa faculdade não se desenvolve até por volta dos 12 meses, ou mesmo mais tarde. Como a percepção da permanência dos objetos é aprendida principalmente através do tato, e subsidiariamente através da audição, um bebê cego precisa de muita estimulação tátil, especialmente em torno da 16ª semana, de maneira a estimular movimentos de extensão dos braços e mãos.
Por volta da 12ª a 16ª semana, a criança com visão acompanha com os olhos os objetos e começa a ter movimentos desordenados de extensão. Eis como ele começa a aprender a controlar seus braços, mãos e dedos. Uma boa coordenação olho-mão se desenvolve a partir das primeiras experiências visuais, o que não acontece com o bebê cego.
A criança cega, por não ter qualquer motivação visual, mostra pouca tendência espontânea a mover seus braços e mãos. Ela não estende os braços para ser pega no colo. O bebê cego movimenta seus pés e pernas mais que seus braços e mãos; por um bom tempo ainda mantém a posição de recém-nascido (braços flexionados com mãos na altura dos ombros). Suas mãos raramente são trazidas até a linha mediana do corpo, e ele geralmente não brinca com seus dedos. Portanto, ele precisa de estimulação e treino para desenvolver consciência de seus braços e mãos e de seu uso.
Algumas maneiras de se conseguir isso:
s Fixe sinos em seus pulsos e tornozelos;
s Coloque brinquedos com diferentes texturas em suas mãos;
s Disponha os brinquedos ao alcance do bebê dentro do berço (o tato é o principal sentido a ser estimulado nessa idade, mas brinquedos sonoros também ajudam);
s Encoraje-o a unir as mãos na altura da linha mediana do corpo;
s Quando der a mamadeira coloque as mãos do bebê na mesma;
s A partir da 16ª semana a criança começa a sentar. Motive-a a sentar, e faça jogos manuais quando ela estiver sentada (ex.: jogos que a faça bater palminhas ritmadamente).
C - Engatinhar e arrastar-se
Uma criança cega geralmente não engatinhará ou se arrastará até que tenha desenvolvido a percepção da permanência dos objetos ou a coordenação ouvido-mão. Até então, não há nada motivando-a a se deslocar pelo espaço.
Muitas vezes a criança cega pula o estágio do engatinhar/arrastar-se, porque, quando tiver desenvolvido a percepção da permanência dos objetos, pode também já ter desenvolvido a habilidade de ficar em pé e andar.
D - Andar
Uma criança cega pode começar a andar por volta da mesma idade que a criança que vê, mas normalmente demora mais a andar. Um cercado é muitas vezes bom para o bebê cego no início dessa fase, por dar a ele um espaço definido, permitir a exploração controlada do espaço, abrigar os brinquedos e permitir que ele se apóie para ficar de pé. No entanto, assim que a criança cega estiver se levantando, deve-se deixar que ela explore uma área maior.
Quando a criança começar a andar é mais conveniente manter os móveis, etc. no mesmo lugar até que ela conheça seu ambiente. Se você mudar os móveis de lugar, não esqueça de avisá-la e ande com ela pelo ambiente.
A coordenação e o ritmo de uma criança cega ao andar podem ser mais desordenados do que os de uma criança com visão. Se a criança não for encorajada a conduzir seu corpo de maneira adequada, pode ser que mantenha uma grande distância entre as pernas ao ficar ereta, desenvolva má postura e uma forma de andar incorreta. Um problema comum é o da criança que deixa cair a cabeça sobre o peito. A criança cega deve ser instada a manter a cabeça erguida, perpendicular em relação ao chão.
E - Correr, pular e saltitar
A maior parte de tais atividades motoras grossas são aprendidas através de estímulo visual e imitação. A criança cega precisa ser ensinada. É preciso fazer com que ela passe por essas atividades muitas vezes; ela deve ser encorajada a praticar esses movimentos de maneira independente. Isso é necessário para o desenvolvimento de um bom controle e coordenação muscular e corporal.
Desenvolvimento da linguagem
A - A Fala
Aprender a falar normalmente envolve a imitação visual da pessoa que fala. É, portanto, uma experiência bem diferente para a criança cega. A diferença nem sempre é óbvia antes da fala aparecer. Antes de serem usados para comunicação, os sons e palavras são brinquedos, e a fala é uma atividade que constitui-se num fim em si mesma. A criança cega pode balbuciar por muito tempo devido ao prazer oral que essa atividade proporciona. Por vezes, a fala ecolálica pode se desenvolver e persistir por períodos maiores do que em relação à criança com visão.
B - Comunicação
As crianças com visão estão continuamente enriquecendo e expandindo seu vocabulário, devido ao estímulo visual e à experiência. Seu vocabulário é normalmente limitado a palavras concretas que ela pode experimentar através dos sentidos.
Palavras descritivas ou conceitos são difíceis de serem aprendidos. A criança cega pode esquecer palavras mais facilmente. Muitas palavras não têm sentido para ela, a menos que a criança tenha uma experiência direta com as mesmas. Portanto, é necessário fazer com que as palavras se tornem significativas para a criança cega. Descreva pessoas e coisas continuamente. Fale sobre o que você está fazendo (lavando o rosto, bebendo seu suco, etc.).
Evite manter rádio e televisão constantemente ligados perto da criança cega, porque o estímulo auditivo sem significado tende a ser ignorado. Quando a criança cega já puder se mover dentro de seu ambiente e entrar em contato com os objetos, seu vocabulário se tornará mais rico. Permita que a criança faça escolhas verbalmente, que responda sim ou não, e que tenha oportunidades para o uso funcional de seu vocabulário.
Desenvolvimento Sócio-Emocional
Possíveis obstáculos que podem afetar a relação dos pais com a criança:
1. O choque, raiva, depressão e culpa, que os pais podem sentir ao tomar conhecimento da deficiência visual de seu filho, podem colocar os laços naturais sob grande tensão.
2. Se o bebê cego precisar ficar algum tempo em incubadora (ou necessitar de longa hospitalização após o nascimento), pode acontecer uma demora no começo do desenvolvimento da relação dos pais com a criança.
3. A passividade da criança cega pode inadvertidamente desencadear uma falta de estimulação por parte dos pais. Os bebês cegos, por não possuírem a visão como fonte de auto-motivação e auto-estímulo, podem se apresentar quietos e passivos. Eles normalmente não solicitam muita atenção, embora haja grande necessidade de estimulação e atenção suplementares para seu desenvolvimento. A passividade do bebê cego, associada ao potencial afastamento dos pais devido à depressão ou à falta de consciência do problema, pode levar a um ciclo de não-interação que dificultará, ou mesmo impedirá, o desenvolvimento de uma relação saudável entre pais e filhos.
4. A dependência do bebê cego em relação aos pais para o atendimento de todas as suas necessidades, e para geração de estímulos, pode contribuir para uma atitude superprotetora por parte destes. Os pais devem aprender a encorajar a independência em seu filho cego, especialmente quando a criança começa a se dirigir para seu ambiente e a explorá-lo.
Adaptado de: Community Based Program Boston Center for Blind Children - Boston, Massachussets/EUA.
Tradução de “The Effects of Congenital Blindness on the Development of the Infant and Young Child”.
Traduzido por André Oliveira.
Revista do IBC
Setembro de 1996